Desafios na vida de um tenista

Depois de mais de um mês, volto a atualizar o blog. E como estou na fase saudosista de matérias esportivas, área pela qual sou apaixonada, segue a entrevista exclusiva que fiz com Flávio Saretta no fim do ano passado. Em tempo: a matéria foi publicada na revista “O Country”. As fotos são de Rodrigo Teixeira.


Até nos olhos está estampada nitidamente uma das grandes paixões do ex-tenista Flávio Saretta. Verdes, eles não destoam da cor do time do coração do atleta, o Palmeiras, que passou a ser sua segunda casa desde outubro de 2009. O paulista de Americana, que chegou a ser o 44º do mundo no ranking da ATP, conta nesta entrevista exclusiva como foi ter de largar as quadras aos 29 anos por conta de uma lesão. Fala também sobre seu novo desafio como professor das categorias de base do Verdão e discorre sobre outros assuntos, como início de carreira e Olimpíadas do Rio em 2016. O bate-papo ocorreu no bar do tênis do Country, no dia 4 de outubro, quando Saretta visitou o clube para inaugurar quatro novas quadras de saibro. Confira os melhores trechos:



Como está sua nova fase, após a saída das quadras?
Parei de jogar no começo do ano por causa de uma lesão no cotovelo. Acabei tentando jogar um tempinho, mas não deu certo; tive que seguir por outros caminhos. E foi aí que surgiu essa conversa com o Palmeiras, clube que eu torço desde molequinho e que é minha paixão. A nova presidência do time queria dar um ‘upgrade’ em todos os esportes e, por isso, me chamaram para conversar sobre os rumos do tênis no clube. Por ser palmeirense, por ter parado de jogar, topei o desafio. Começamos no dia 1º de outubro. Nosso objetivo é fazer o tênis crescer tanto no Palmeiras, como em São Paulo e no Brasil. Queremos colocar o Palmeiras como um bom lugar para treinamento. Estamos levando muito a sério o projeto, que trabalha com crianças de 8 anos até jovens de 20 que querem jogar profissionalmente.

Como vê a importância deste projeto para as categorias de base?
A gente tem conversado muito sobre tênis. Agora que estou fora das quadras é mais fácil planejar as coisas, ver o que está certo, o que está errado. Acho que tem que mudar muito a base, a criançada, e não apenas mudar quem já tem 18 anos. O brasileiro sempre foi assim; sempre quis pegar moleque de 18 anos para treinar porque é mais fácil, o caminho é mais curto para colocar ele como profissional, se tiver talento. Acho que é por isso que temos poucos jogadores. Penso que o ideal é pegar o moleque a partir dos 10 anos, ensinar ele a jogar direitinho e o que tem de fazer para se tornar um jogador profissional. E não deixar ele aprender novos hábitos depois de “velho”, com 18, 19 anos.

Quais são as principais características para ser um bom jogador de tênis?
Ser focado, disciplinado e treinar, não tem outro segredo. Tem que treinar, treinar, treinar... Lógico que você não coloca um moleque pequenininho 10 horas na quadra por dia. Cada criança tem um horário, mas você tem que deixá-los focados, cientes de que o treinamento é importante do aquecimento até o alongamento. Os meninos mais novos não querem saber muito desta preparação; eles querem, na verdade, entrar na quadra “dando porrada na bolinha”. É necessário mostrarmos a importância de todas as etapas.

Outro aspecto que deve ser trabalhado é o psicológico, porque, no esporte, a carreira é muito curta. Com 14 anos, o moleque tem que ser totalmente focado para ser um atleta. Claro que ele deve brincar, estudar, mas na hora que entrar em quadra, precisa ser um miniprofissional. Acho que esta mentalidade tem que mudar um pouco para que surjam mais atletas.

Quem te influenciou a começar no tênis?
Comecei com 8 anos. Eu jogava futebol e alguns amigos meus começaram a fazer aulas de tênis também. Fui na onda dos moleques e acabei aprendendo. Esse início foi na minha cidade natal, Americana, SP. Meu pai já brincava também um pouquinho. Chegou uma hora em que toda minha família estava jogando, minhas duas irmãs mais velhas, minha mãe. Nas férias, a gente sempre ia para algum lugar que tinha quadra de tênis. Toda família jogava... Era divertido, mas também ocorriam brigas (risos).

E qual foi o melhor momento da carreira? Foi quando alcançou o 44º lugar no ranking da ATP?
Esse foi um ano muito legal para mim. Na verdade, acho que desde meu último ano como juvenil, quando tinha 18 anos, e consegui ficar entre os dez melhores do mundo. Depois participei de vários torneios grandes, que foram importantes para meu crescimento. Consegui ganhar do Guga com 20 anos, quando ele era o número 1 do mundo. Naquela época, as coisas deslancharam um pouquinho. Em 2003, fiquei em 44º no ranking da ATP; joguei muito bem todos os campeonatos seguintes, ganhei de grandes tenistas e depois veio a conquista do Pan no Rio, em 2006, que foi muito legal e especial.

E o mais difícil?
Em 2004, eu tive um problema sério profissional com uns empresários que me machucaram um pouquinho...

Machucaram mais do que as lesões?
Risos.
Bem mais. E aí era um ano muito difícil porque eu tinha que defender tudo o que tinha jogado em 2003. Tive esse problema com os empresários, que durou o ano todo, mas passou. Consegui voltar depois disso, em 2006, mas veio a lesão logo após o Pan – foi muito especial ter ganhado no Brasil, porque a pressão era grande. Você sabe: para brasileiro, ou você ganha ou você é ruim. Mas o fato é que eu me machuquei na semana seguinte ao Pan. Eu tinha um campeonato pra jogar e devia ter descansado, mas quis jogar na motivação do Pan, e acabei fraturando o cotovelo. Aí, depois, foi só desgraça.

É difícil para um atleta lidar com a aposentadoria das quadras?
É bem complicado (pequena pausa). Você faz uma coisa a vida inteira, desde moleque, com 8, 9 anos; começa a jogar campeonato com 11 anos, e com 14 já está jogando fora do Brasil. Você respira tênis e começa a jogar, participar de campeonato e campeonato... Você acaba vivendo só disso; se acostuma a acordar desde molequinho e treinar; a não poder ir em festa de escola porque tem de dormir cedo; a não poder jogar futebol quando quer... Você se acostuma com esta rotina; uma rotina que dura 20 anos. Como é uma carreira curta, você tem pouco tempo pra fazer outras coisas; precisa se dedicar somente ao esporte. Então quando você para, pensa: “Meu, e aí, o que é que vou fazer agora da minha vida?” Porque é isso que acontece. Acho que acontece com todo mundo, é normal, mas comigo está até acontecendo até meio rápido essa nova oportunidade, o projeto do Palmeiras. Estou mexendo em outras coisas, para não ficar muito tempo em casa, mas os primeiros meses são complicados, você acorda tarde, não tem o que fazer, olha pra raquete e não tem força pra treinar... Mas você se acostuma. A hora que eu tenho vontade de jogar profissionalmente, eu me lembro da dor no braço e já desisto.

Já conhecia Goiânia?
Já conhecia, sim. Joguei, inclusive aqui no Country, em 1996, acho que no campeonato brasileiro. Na época tinha 16 anos e me lembro da gente querer pular na piscina e não poder (quem é de fora, não podia). Risos.

O que achou da conquista do Rio para ser sede das Olimpíadas de 2016?
Não sei se a minha opinião vai ser igual a da maioria dos brasileiros... Bem, o Brasil já vai ter uma Copa dois anos antes das Olimpíadas, o que eu já acho muito. E uma Olimpíada, que é um evento ainda maior, é complicado, mas tem que torcer. Acho que existem muitos problemas que precisavam ser resolvidos antes de se fazer uma Olimpíada. Não precisaria ter um evento desse, ou uma Copa do Mundo, para os políticos criarem vergonha e fazer um metrô, ou melhorar a segurança no Rio. Por isso que me revolta um pouco. Acho que é bom para os esportistas, por ser no Brasil – eu joguei o Pan Americano no nosso País e sei o quanto é bom estar aqui jogando num evento desses, que é uma miniolimpíada. Mas infelizmente quem vai ganhar não são os esportistas, mas outras pessoas. Mas tem que torcer, já que o Rio ganhou, tem que torcer para que dê tudo certo, para que eles façam coisas boas, e que não tirem muito dinheiro do povo, o que eu acho que é a maior preocupação de todo mundo.

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