Foi realmente um desafio tornar a escrever sobre o acidente com o césio 137. Da primeira incursão no tema, em setembro de 2007, lembro-me da intensidade das entrevistas – “como elas mexiam comigo” -, do meu envolvimento com os personagens e da dúvida que insistia em me atormentar. “Eu estava fazendo jornalismo ou contando histórias? Carla, Carla, os outros jornais não estão cobrindo dessa maneira. É melhor você ir atrás de dados mais técnicos, números, pesquisas”, enfatizava o meu ego (no sentido que Jung dá ao termo) toda vez que eu teimava em nadar contra a corrente da pirâmide invertida. Mas o respaldo que tive do meu editor na época me fez seguir adiante – hoje posso dizer que, usando os conceitos da Jornada do Herói, ele foi um grande aliado. Ou talvez o guardião do limiar. Foi preciso passar por este ‘teste’ para adentrar num mundo ainda desconhecido, mas que se aproximava de mim. Em menos de cinco meses, eu entraria na aventura: conheceria o mundo do Jornalismo Literário.
Como foi bom descobrir novas possibilidades e perceber que podemos sempre trilhar um caminho de aprendizado e de aperfeiçoamento. Saber que histórias de vida podem, sim, fazer parte dos relatos jornalísticos. Que leituras como Gay Talese e Eliane Brum nos inspiram a ter criatividade. Que um cara chamado Jonh Hersey, com um ponto de vista diferenciado, fez “a matéria” do século 20, capaz de gerar uma faísca do pensamento produtivo – segundo especificações do psicólogo Dante Moreira Leite - na sociedade. Narrativa de transformação, jornalismo de transformação, jornalista em transformação.
Com todo o instrumental, dicas de leituras, conselhos, textos, “terapias coletivas” (rs) oferecidos pelos professores da Academia Brasileira de Jornalismo Literário (ABJL) foi possível iniciar a transposição de obstáculos para se alcançar um jornalismo de profundidade. Durante o percurso, um estímulo do professor Edvaldo Pereira Lima: retomar o assunto do césio, amparada nos recursos do JL.
Primeira providência tomada: tomar vergonha na cara e ler “Hiroshima”, de Hershey. A obra me ajudou sobremaneira – foi o alicerce dessa nova reportagem que fiz do acidente em Goiânia. Com o autor, aprendi a importância de narrar cenas simultâneas com vários personagens. Mas, devido ao limite de espaço, optei por três protagonistas – no livro americano eram seis. Na dúvida do tempo verbal a utilizar, corri de novo para Hiroshima. Hershey usou o passado; decidi ir pelo mesmo caminho, com algumas modificações. Para tanto, dividi a narrativa em três grandes blocos, que abarcaram, nesta ordem, o presente, o passado, e o presente (novamente) das vítimas.
Mas vamos aos recursos de JL empregados na reportagem. Entre as técnicas de captação destacam-se as entrevistas interativas, conforme postula a professora Cremilda Medina, os símbolos de status de vida e a memória oral. Na parte textual, sobressaem-se a construção-cena-a-cena, o diálogo, narrações e descrições (lembrando da dica do Ed, ao comentar a obra de Gay Talese, de que é importante alternar o início de “capítulos” ou partes do texto, ora com cenas descritivas, ora com narrações e diálogos).
Em relação ao ponto de vista, pode-se dizer que o adotado foi o múltiplo. No caso dos personagens Odesson e Lourdes, optei pelo onisciente neutro, com algumas pinceladas do onisciente intruso, narrado em 3ª pessoa. Já em relação a Wagner, o ponto de vista foi de narrador-protagonista, em 1ª pessoa. Amparei-me na leitura de Relatos de um Náufrago, de Gabriel Garcia Marquez, para executar a tarefa.
Creio que posso classificar “Sobreviventes do césio 137” como uma grande reportagem temática. Procurei, ao longo de todo o processo de produção e redação, utilizar os sete pilares do JL: imersão, humanização, precisão de dados e informações, simbolismo, responsabilidade, criatividade e voz autoral.
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