- Mãe, olha o presente que a Carla trouxe pra gente.
A voz, naquele momento suave e serena, de Renata rompeu o
silêncio do quarto. A caixa amarela era simples. E, embora pequena, parecia que
de dentro dela pulsava VIDA. Corações batiam acelerados. O meu. TUM TUM. O da
Renata. TUM TUM. O da Camila. TUM TUM. O do Thiago. TUM TUM. O da minha mãe,
Regina Lacerda do Nascimento. TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM
TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM
TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM TUM
TUM TUM TUM.
Minha vontade é de não
parar de escrever TUM TUM. Como se aqui, nesta lauda, com os dedos no teclado,
com toques repetitivos, eu tivesse o poder de mudar o destino, de prolongar
esses 55 “tuntuns”, 55 anos. Queria eu prolongar vidas, proloooooongar
VIIIIIIIIIIIIIDA, dar VIDA.
- Vira para a senhora
poder abrir (a caixa) – falou Thiago para a sogra, que já estava deitada
naquela noite.
Thiago havia saído do expediente em Goiânia na sexta-feira,
22 de junho de 2012, e depois de um percurso de pouco mais de duas horas, chegou
à capital federal com a caixa amarela. Presente dele e meu. Minto. Presente de
Deus. Providência divina.
- Ai que linda!
Mamãe ficou em silêncio por alguns segundos enquanto
manuseava o conteúdo da caixa – um macacão minúsculo com estampa de peixinho.
- Quando é que vem? – perguntou, por fim.
- Tem seis semanas – respondo.
- Você tá grávida?
Os olhos de jabuticaba mais lindos que já vi rapidamente se
encheram de lágrimas.
- Você tá grávida? – mamãe perguntou de novo, como se não
acreditasse que aquele macacãozinho guardado na caixa amarela representasse a
promessa de Deus já cumprida em nossas vidas. (Quando ela viu a roupinha,
imaginou que preparávamos o enxoval de nosso primeiro filho por antecipação,
mesmo sem estarmos “grávidos”. Daí a surpresa enorme quando eu disse que estava
de seis semanas).
- Você vai ser vovó! –
exclamei.
Mamãe chorava.
- A senhora orou
tanto!
- Ai, gente, eu vou ser avó!
- Descobrimos na semana passada, mãe.
- Ai que bênção! Vai
ser homem?
- A gente ainda não sabe,
dona Regina – respondeu Thiago. Só tem um mês.
- Eu vou ser avó!
- E eu vou ser titia,
tô ficando velha – brincou Camila, com aquele jeito gaiato que só ela tem.
- Mãe, a gente fez até
o ultrassom.
- Ah, deixa eu pegar o
ultrassom. Peraí.
Thiago foi atrás da imagem, que havia
deixado no armário do quarto da minha mãe. Um quarto que, na verdade, não era o
dela. Os lençóis brancos e o cobertor marrom, também não. Muito menos aquele
sofá, que fazia as vezes de cama para as meninas e para mim. Nada disso nos
pertencia. Nada disso era nosso. Nosso mesmo era o AMOR. É o AMOR. De mãe e
filhas. De irmãs e irmãs. De sogra e genro. De cunhado e cunhadas. E, a partir
daquele momento - não importa se mamãe fazia sua primeira sessão de
quimioterapia no Hospital Brasília -, de pais de primeira viagem e filho, de
titias e sobrinho, de VOVÓ e de NETO.
(Continua)
Comments
Que bom encontrar seu blog! Cheguei aqui pelo Twitter. Admiro muito a sua escrita: inspiradora!
Abraço!